segunda-feira, junho 04, 2007

A eterna confusão entre o público e o privado

Faço da observação abaixo, enviada por e-mail pelo meu amigo Ricardo, minhas palavras para comentar esse post!!!!!
¨veja como o interesse econômico expõe o Conar a defender o indefensável, que é a liberalidade total para os anunciantes de cerveja. Na defensiva, o presidente do Conar se recusa a olhar a questão do ponto de vista da coletividade, da redução de danos, da defesa da saúde. Let´s faturar, parece ser o lema¨

Vamos a entrevista................


Texto de Guilherme Barros e Cristiane Barbieri, publicado na Folha de S. Paulo, dia 04/06/2007

Nos próximos dias, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) deverá editar uma nova regulamentação com restrições severas à propaganda de bebidas alcoólicas. A veiculação de anúncio de bebidas no rádio e na televisão deverá ser proibida entre as 8h e as 20h e, em jornais, revistas e internet, a propaganda terá de ser acompanhada de advertências em relação aos efeitos do consumo de álcool.

Atento às discussões a respeito dessa nova regulamentação, o Conar (Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária), o órgão que regula a publicidade no país, formado principalmente por profissionais de propaganda e mídia, ameaça ir à Justiça para protestar contra essa iniciativa da Anvisa. As cervejarias, as mais atingidas com a nova regulamentação, já tinham feito essa ameaça.

O presidente do Conar, Gilberto Leifert, 56, afirma que a portaria da Anvisa é inconstitucional, e é isso que deverá ser argüido na Justiça. Ele defende que o mercado continue submetido à auto-regulação.
Na opinião de Leifert, as advertências que a Anvisa pretende impor são "dramáticas" e afastarão os anunciantes, o que colocaria em risco a independência da mídia.

Bacharel em direito pela Universidade de São Paulo, Leifert é diretor de relações com o mercado da Rede Globo. Trabalhou como jornalista em "O Estado de S. Paulo" e "Jornal da Tarde". Foi também diretor da MPM Propaganda e da agência de relações governamentais Semprel. A seguir, trechos da entrevista:  

FOLHA - Como o senhor vê essa provável restrição da Anvisa à publicidade de bebidas alcoólicas?
GILBERTO LEIFERT - A primeira consideração é que as políticas públicas que podem ser aprimoradas merecem o apoio da sociedade. Há bastante espaço para aprimorar a questão de controle de consumo abusivo do álcool. A posição do Conar se baseia em dois pilares. O primeiro é a questão da liberdade de expressão comercial, garantida pela Constituição e que tem no artigo 22, inciso 29, a garantia de que apenas o Congresso poderá impor restrições ou legislar sobre publicidade.

FOLHA - Significa que o Conar irá à Justiça se a portaria for publicada?
LEIFERT - Teremos de analisar quem tem legitimidade para argüir a questão da inconstitucionalidade. O que se sabe é que anunciantes, agências e veículos afetados se incomodarão e irão buscar seus direitos. Porém não excluímos a hipótese de futuramente o Conar adensar a causa porque se trata de matéria constitucional.

FOLHA - O sr. mencionou dois pilares. Qual é o outro?
LEIFERT - A publicidade é a face visível de uma questão mais complexa. É muito simples, aparentemente, eliminar a publicidade do rádio, da televisão e ampliar restrições à publicidade em geral, como à mídia impressa, ao outdoor etc. Só que o produto continuará disponível na prateleira do supermercado e nas estradas. Os menores continuarão tendo acesso ao produto, embora a Lei de Contravenções Penais, desde 41, e o Estatuto da Criança e do Adolescente, em 90, tenham proibido a venda de bebidas alcoólicas a menores de idade. Não se tem notícia de estabelecimento comercial que tenha tido seu alvará cassado ou de comerciante punido pela venda de bebidas alcoólicas a menores.

FOLHA - Mas a propaganda não estimula o acesso às bebidas?
LEIFERT - A propaganda, que é a face mais visível da questão, será facilmente controlada a pretexto de evitar o estímulo. Mas o acesso ao produto, que é o que pode causar males à saúde dos menores, continuará fácil.

FOLHA - Não é possível usar o raciocínio inverso? Pesquisas recentes indicam que o percentual da população brasileira que fuma caiu muito depois que as propagandas de cigarro foram proibidas. E os consumidores continuam tendo acesso a eles nos supermercados, bares...
LEIFERT - As pesquisas recentes indicam que o consumo caiu, porém não foi do ano 2000 para cá, quando a publicidade de cigarros foi proibida. A queda tem acontecido há 20 anos. Foi uma mudança de comportamento causada por hábitos educacionais de longa data.

FOLHA - A redução da criminalidade em Diadema (na Grande São Paulo), causada pelo fechamento de bares depois das 23h, não é um bom argumento para restringir o acesso a bebidas alcoólicas?
LEIFERT - O ex-secretário Nacional da Justiça Luiz Eduardo Soares afirmou, num debate no Congresso sobre alcoolismo e violência na Comissão de Seguridade Social, que Diadema foi um projeto-piloto que abrigou uma série de medidas. O projeto envolveu também educação escolar, atendimento sanitário, de pronto-socorro e uma série de ações conjugadas que acabaram reduzindo a criminalidade.

FOLHA - Como é a restrição à publicidade de bebidas em outros países?
LEIFERT - Temos exemplos variados. A Comunidade Econômica Européia está estudando o assunto e aguardando a orientação da OMS [Organização Mundial de Saúde]. Já os EUA são, tradicionalmente, um país que executa políticas públicas de saúde bastante avançadas, deixando o assunto para auto-regulamentação. A publicidade de cerveja nos EUA não é proibida, e a de bebidas alcoólicas em geral é decisão das redes de televisão. A questão comporta um tratamento diferenciado, e nós, do Conar, nos esforçamos para merecer a confiança dos consumidores e das autoridades para que o sistema misto de controle, que é legislação e auto-regulamentação, seja adotado com intensidade cada vez maior.

FOLHA - Por quê?
LEIFERT - O Brasil é um país que tem leis demais. O que se sabe é que existe uma crença de que apenas a edição de novas leis proporciona avanços e milagres. Sabemos, entretanto, que na prática não bem é assim. Sobretudo em relação a hábitos ancestrais, como é o caso do consumo de bebidas alcoólicas. Um aspecto que convém destacar é que a atuação da Anvisa, baseada em iniciativas próprias e resoluções, alcançará não apenas bebidas alcoólicas, mas em seguida refrigerantes, alimentos e medicamentos. Essas consultas públicas já foram realizadas e a agência já prepara a edição de resoluções que, em igualdade de condições às de bebidas alcoólicas, têm o defeito de serem inconstitucionais e de ferirem alguns princípios que são desejáveis na legislação: necessidade, razoabilidade e proporcionalidade. Uma das propostas que se discutiram em relação a bebidas alcoólicas é que todas as notícias, os comentários, os programas de televisão sobre vinhos, por exemplo, deveriam trazer dentro do conteúdo advertências ao consumidor.

FOLHA - O que isso significa?
LEIFERT - Quando o Estado impõe ao anunciante o dever de veicular as advertências falando mal de seu produto, ele alcança, por via indireta, a proibição da propaganda.

FOLHA - Por quê?
LEIFERT - As advertências que o governo pretende impor ao anunciante são tão dramáticas, tão pouco razoáveis, que ele vai se afastar da mídia. A proibição, indiretamente, será alcançada.

FOLHA - Qual será a conseqüência?
LEIFERT - A liberdade de iniciativa e de expressão comercial serão afetadas. Esses produtos são lícitos e seguros para o consumo. Tanto que o governo autoriza a fabricação, a distribuição, a comercialização e arrecada pesados impostos sobre eles.

FOLHA - Qual a motivação da Anvisa com as restrições à propaganda?
LEIFERT - O artigo 220, parágrafo 4º, da Constituição determina quais as categorias sujeitas às restrições legais. São elas tabaco, bebidas alcoólicas, medicamentos, tratamentos de saúde e defensivos agrícolas. Curiosamente, alimentos e refrigerantes não estão indicados na Constituição como passíveis dessas restrições. No entanto a agência toma a iniciativa de usar o mesmo meio, impróprio, uma resolução de diretoria colegiada, para alcançar o fim, restrição ou proibição.

FOLHA - A motivação seria apenas constitucional?
LEIFERT - A agência tem olhos que vão além do que a Constituição admitiria. Primeiro, ao adotar vias impróprias, já que a resolução tem de ser uma lei do Congresso. Depois que está alcançando, em relação a alimentos e refrigerantes, categorias que não comportam, pela Constituição, o tratamento que a agência pretende dar.

FOLHA - Haveria alguma motivação política na decisão da Anvisa?
LEIFERT - Há um açodamento de pessoas e profissionais que têm preocupação com a saúde em adotar medidas heróicas que causarão sérios danos à ordem jurídica. Se a Constituição garantiu à publicidade liberdade de expressão comercial e se só por lei as restrições podem ser impostas, a liberdade que a agência tem ao propor a edição dessas regras acaba por causar uma profunda perturbação no direito do consumidor à informação e no direito de expressão comercial dos anunciantes.

FOLHA - O senhor vê alguma semelhança com bandeiras que promoveram outros ministros da Saúde, como o caso dos genéricos?
LEIFERT - Iniciativas como a proibição da propaganda podem conferir notoriedade aos políticos nas novas legislaturas. Novos parlamentares costumam apresentar projetos que já foram arquivados ou que ainda tramitam e podem proporcionar notoriedade. O ministro da Saúde [José Gomes Temporão] apóia a iniciativa da Anvisa e, mais do que isso, parece tê-la encarregado de executar a tarefa de impor as restrições à publicidade. Quando o ministro fala sobre o conteúdo da publicidade, me parece que é o Executivo pretendendo censurar o conteúdo dos anúncios, o que é inadmissível porque a censura foi banida.

FOLHA - Essa proibição pode fazer o anunciante migrar para mídias como internet, jogos ou outros veículos mais acessados pelos jovens?LEIFERT - Não. As cláusulas de advertência que estão sendo propostas afastarão o anunciante. Talvez o governo se torne a única voz a sugerir, a recomendar, a determinar o que se pode ou não consumir. Ele poderá tanto calar o anunciante como, por meio de campanhas, dizer o que pode ou não fazer. Não faz nenhum sentido alguém falar mal de si mesmo, pagar para fazer sua autodetração. Uma das propostas para refrigerante é dizer o nome da marca e destacar que ele causa diabetes. Essa empresa vai se afastar da mídia. Além do governo, os maiores anunciantes do país são a indústria de alimentos, de refrigerantes, farmacêutica, varejo. Os setores visados, coincidentemente, são os grandes anunciantes. Na condição de quem se preocupa com o direito político do acesso livre à informação e à informação comercial, estou preocupado em verificar que a mídia, que é sustentada pela livre iniciativa, pelos diferentes setores da economia, sendo silenciada, tornará o governo, que é um grande anunciante, ainda mais forte e poderoso do que já é.

FOLHA - O papel do Conar é ativo para regulamentar essas questões que preocupam a sociedade e que estão envolvidas nessas proibições?
LEIFERT - Em 2003, por exemplo, o Conar condicionou que os modelos que aparecem em propagandas de cerveja tenham mais de 25 anos de idade e aparentem ter mais de 25 anos. A propaganda mudou sua face a partir de 2003.

FOLHA - Não há muitas pesquisas que indicam que o álcool causa sérios prejuízos à sociedade?
LEIFERT - Os dados a respeito de delinqüência, óbitos e danos resultantes do álcool são muito imprecisos no Brasil. As pesquisas existentes em matéria de acidentes de trânsito, por exemplo, não apresentam dados. Da mesma forma, pesquisas sobre consumo impróprio envolvendo adolescentes e crianças são conduzidas pelo renomado professor da Universidade Federal de São Paulo Ronaldo Laranjeira, que é um ativista e francamente contrário à publicidade de bebidas alcoólica. De modo que há de fazer uma ponderação a pesquisas conduzidas por ativistas.

FOLHA - A propaganda de bebidas aumenta o consumo?
LEIFERT - Os dados do Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psicotrópicas da Escola Paulista de Medicina indicam que de 5% a 10% da população adulta brasileira enfrenta problemas de saúde em relação ao álcool. Diante da população do Brasil, é um número assustador. Porém imaginar que, numa democracia, 90% das pessoas serão privadas da informação a respeito de um produto porque 10% não têm conduta adequada é absurdo. Seria mais fácil educar os 5% ou 10%.

Nenhum comentário: