quarta-feira, setembro 26, 2007

A licitação de publicidade dos Correios continua suspeita

Quando o assunto é licitação de publicidade para atender contas de governo, a briga é boa. Forças políticas e empresariais se confrontam, sempre de forma oculta, transformando o processo licitatório numa verdadeira peleja do Diabo com o Dono do céu. Para colocar fogo na disputa pelas contas milionárias, brotam na imprensa denúncias sobre favorecimento de agências ligadas a políticos. E na licitação dos Correios não poderia ser diferente.

Contudo, para aumentar a dor de cabeça de alguns atores políticos, a jornalista Rosêngela Bittar, chefe de redação em Brasília do jornal Valor Econômico está vigilante. Publicou dois texto, que reproduzo aqui nesse blog. Aconselho a leitura dos dois, pois são complementares.


Duas coincidências que exigem atenção
Texto publicado no jornal Valor Econômico do dia 19/09

Fazer ou reproduzir insinuações, não é este o objetivo, como se verá. Muito menos trata-se de apresentar denúncia concreta. Pretende-se, tão somente, chamar a atenção sobre a maneira como vêm surgindo elementos, e se delineando, com preocupante nitidez, coincidências que nos levam a vislumbrar a possibilidade de estar sendo erguido um novo mensalão na estrutura do governo Lula.

Depois do protagonismo do PT neste tipo de operação, seguido agora da investigação sobre como se deu o mensalão do PSDB de Minas Gerais, objeto da próxima denúncia, que promete ser arrasadora, do Procurador Geral da República, os dados da realidade conduzem à existência do risco de gestação de um novo esquema, desta vez exclusivo do PMDB.

Já existe a denúncia - a quarta - contra Renan Calheiros, ainda não investigada no Conselho de Ética, feita pelo ex-genro de um lobista amigo do senador (outro), pai de assessora do presidente do Senado.

O depoimento do ex-genro à polícia revela atuação de Calheiros junto a ministérios capitaneados pelo PMDB. É do conhecimento público o que os partidos políticos querem com esta ocupação da máquina pública, por que brigam pelos cargos: o exercício do poder de nomear e de canalizar recursos públicos para as finalidades de sua escolha pessoal. Na ação de Renan, foram citados o Ministério da Previdência, conduzido à época por Romero Jucá, um dos principais integrantes da atual tropa de choque de Calheiros, e a Funasa (Fundação Nacional de Saúde), conduzida por Paulo Lustosa, uma indicação do senador para mais este posto onde o partido estabeleceu seus comandos.

Este caso mostra que o PMDB vem urdindo um esquema seu, independente de outros partidos governistas, e talvez seja a razão de ter aparecido tão pouco no mensalão do PT. Só o deputado José Borba, que foi líder do partido, expôs-se às denúncias de 2005, para surpresa geral.

Agora, uma segunda coincidência ocorre no mesmo local do crime anterior (ECT) e com a mesma estrutura de canalização de verbas (agências de publicidade), deixando inúmeras dúvidas em torno de uma licitação para escolha de agências de propaganda que servirão à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Três agências vencedoras da licitação dos Correios há dois meses, aberta por volta de julho, foram desclassificadas na análise dos recursos das perdedoras um mês depois, quando três outras diferentes agências sairam vencedoras. Entre estas, está a agência que fez a campanha do ministro das Comunicações, Hélio Costa (PMDB-MG), em Minas Gerais, a autoridade do governo que tem ascendência sobre os Correios.

Minas Gerais, agência de propaganda da campanha eleitoral, Correios e PMDB: personagens que coincidem em gênero, número e grau com os do mensalão do PT. Só muda o nome da agência de publicidade. À primeira vista, parece estar o PMDB abusando da sorte de ter escapado até este momento da devastação nos partidos. O presidente do PMDB, deputado Michel Temer, acha exagero enxergar, nas duas coincidências, riscos de mensalão. Para ele, mensalão é o pagamento mensal a parlamentares para que prestem determinados serviços ao governo, um conceito restrito, que já foi derrubado há muito tempo pela CPI dos Correios, pela Polícia Federal, a Procuradoria Geral e o Supremo Tribunal Federal.

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Os Correios não estão à venda
Texto publicado no jornal Valor Econômico do dia 26/09

O ministro das Comunicações, Hélio Costa, denuncia: "Há uma campanha nacional de descrédito dos Correios, para que a empresa seja comprada por alguma empresa internacional". A ECT, conclui-se, não está à venda, em nenhum sentido. E, mesmo depois de um de seus diretores ter tido sua imagem exaustivamente divulgada embolsando propina, no escândalo de 2005, a credibilidade da instituição continua forte, como mostra uma pesquisa Ibope, recentemente publicada pela revista "Seleções", segundo citação do ministro: "Os Correios estão no topo da instituições mais confiáveis do país, depois vêm o rádio, os jornais, o real e a igreja".

A veemência de Hélio Costa é uma reação às coincidências entre as características do mensalão do PT com o que vem ocorrendo em áreas do governo administradas pelo PMDB, como os Correios, para as quais se chamou a atenção neste espaço, quarta-feira da semana passada.

Um dos focos da análise era a denúncia contra o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), segundo a qual há muito tempo vinha ocorrendo uma sangria de verbas de ministérios comandados por pemedebistas, uma espécie de mensalão administrado sob a orientação de um lobista amigo do presidente do Senado. Coincidência maior viria, porém, de uma comparação sobre o que acontece hoje nos Correios (ECT), com o que ocorreu no mensalão do PT, que teve sua gênese na mesma empresa.

Em 2007, foi realizada uma licitação para escolha de três agências de publicidade para a empresa. As três vencedoras, no resultado de julho, ficaram perdedoras um mês depois, em agosto, quando a análise de recursos deu vitória a três outras agências diferentes, entre elas a mineira Casablanca, que fez a campanha eleitoral de Hélio Costa. A coincidência era que se reuniam neste caso a mesma estatal do mensalão (Correios), o mesmo instrumento de canalização de verbas (publicidade), o mesmo Estado que forneceu o 'know how' do esquema (Minas), o domínio de um partido político (PMDB).


Uma fez a campanha, outra cobrou a dívida

Hélio Costa se indigna com as comparações e não teme recidiva daquele triste período. Exalta a licitação dos Correios, hoje, segundo ele inovadora. "Foram mais de 30 propostas de agências do Brasil inteiro, e numa primeira classificação do capital caíram 20 empresas; para as que sobraram, o processo passou a ser apócrifo: a empresa é rotulada por uma senha que ninguém sabe a quem se refere".

As propostas são analisadas com a senha e a partir de um determinado ponto da licitação, conta o ministro, junta-se a senha com a proposta vencedora e fica-se sabendo quem ganhou. Os recursos das perdedoras, segundo Costa, são analisados com a participação do instituto nacional de agências de publicidade, que acompanha os procedimentos, bem como do Tribunal de Contas da União.

Quanto à escolha, depois da análise dos recursos, da agência Casablanca, que fez sua campanha em Minas, o ministro informa que a campanha foi feita por ele próprio, por sua mulher, que trabalha com arte gráfica, e por amigos radialistas. "Nunca usei empresa de publicidade. A empresa contratada da campanha, que, na verdade, nem foi a Casablanca, foi a Setembro, trabalhou em incursões que fazíamos no interior".

Acrescenta o ministro um dado importante: "Mais tarde vim até a saber que a conta da campanha foi cobrada pela Casablanca e não pela Setembro. Nós pagamos tudo, não devemos nada a eles", informa, sem demonstrar ter visto algo demais nesta troca de identidade da agência no momento da cobrança.

O ministro Hélio Costa foi infeliz, porém, na comparação que criou para ironizar a atenção às coincidências: "Você está querendo dizer que, por ser Heloísa Helena senadora, do Estado de Alagoas, tem tudo para dar errado com ela, ela certamente vai ter um filho fora do casamento".

Como demonstra, Hélio Costa procurou o lado menos íngreme do aludido "calvário" de Renan Calheiros, que está mergulhado em processos e ameaça de cassação não por ser de Alagoas e ter tido um filho fora do casamento, mas por denúncias de que teve suas contas particulares pagas por um lobista de empreiteira, por adquirir bens em nomes de laranjas e por canalizar recursos públicos de ministérios ocupados pelo PMDB por intermédio de um outro lobista, diferente daquele da primeira denúncia. Se ocorresse tudo isto com relação à ex-senadora Heloísa Helena, realmente seria mais do que uma tremenda coincidência.

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