Por Ligia Martins de Almeida em 27/2/2007, no site Observatório da Imprensa.
"As princesinhas estão por toda parte. De coroa dourada e saias coloridas, elas vão à escola, ao playground e ao dentista."
É assim que a revista Veja começa a matéria de comportamento da semana (edição nº 1997, de 28/2/2007): "Todas querem ser princesas". A dúvida, para o leitor, é se é mesmo de uma matéria de comportamento ou apenas uma desculpa para promover um produto, no caso as bonecas de princesa.
Se for comportamento, a revista deveria ter dito quantas são essas meninas que aderiram à nova mania. Parece, pela matéria, que são apenas algumas meninas de classe média alta que têm acesso a roupas caras, dentistas que também se vestem de princesa e pais que podem pagar 75 reais por um brinquedo. Também poderia ter dito quantas e qual o perfil das dentistas que se submetem a representar uma caricatura para ganhar a clientela. É claro que essa a mania não chegou às camadas normais da classe média e muito menos à periferia, onde 75 reais representam uma compra básica de supermercado.
Enfim, é um caso particular, e não uma tendência. Talvez tenha sido apenas um erro de retranca. Onde se lê "comportamento", deveria se ler "consumo" ou "marketing". Ou será que os editores de Veja acreditam que basta juntar algumas declarações para transformar qualquer matéria em análise de comportamento?
Por que um príncipe encantado?
Um marqueteiro, uma mãe consumidora e uma psicóloga foram os escolhidos pela revista para justificar a retranca "comportamento":
Para o marketeiro: "O gosto pelas princesas é inerente às meninas", disse Mooney [chefe da divisão de produtos de consumo da Disney] à Veja. "Elas adoram os finais felizes e pensam que são princesas de verdade."
O depoimento da mãe consumidora: "Eu gostava muito das princesas quando era criança, mas não havia todas essas coisas para comprar".
A palavra da psicóloga: "‘O romantismo e a vaidade são valores femininos que independem da época ou do lugar em que a mulher vive’, diz a psicóloga Sara Kislanov, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro".
Mas como ficam as mulheres que trabalham, lutam pela independência financeira, fazem carreira como executivas e buscam um companheiro em vez de um príncipe encantado? Como ficam as leitoras que querem que suas filhas, desde pequenas, brinquem em igualdade de condições com os irmãos?
Óbvio anúncio comercial
Para elas, a revista reservou um parágrafo que deve servir para diminuir a resistência quanto às bonecas que representam o que há de mais caricato sobre o comportamento feminino:
"Algumas feministas – americanas, naturalmente – preocupam-se com conceitos retrógrados que possam ser transmitidos pelas bonequinhas. Branca de Neve, em especial, surgiu num desenho animado de 1937. O modelo feminino da época era o da menina prendada, sem grandes iniciativas e cujo principal atributo era a beleza. As meninas deveriam ser guardadas em casa até ser escolhidas por um príncipe encantado. Preocupam-se à toa. No pacote Disney há princesas para todos os gostos e temperamentos. Branca de Neve, Aurora (Bela Adormecida), Cinderela são do tipo tradicional, à espera do Príncipe Encantado. Mas a chinesa Mulan se veste de homem para ir à guerra em defesa do reino e a sereia Ariel tem comportamento independente, tipicamente moderno."
E para as leitoras que ainda não foram contaminadas pela mania de princesa das filhas, a revista chama para o site, onde promete dizer "que tipo de princesa sua filha é". Três testes absolutamente idiotas que prometem tirar as dúvidas das leitoras – as quais, certamente, terão mais facilidade na hora de escolher a boneca para suas filhas. Isto Porque se há uma coisa que os editores de Veja sabem é que o que sai na revista, se ainda não é moda, acaba virando. Portanto, nada melhor do que dizer que algum produto é mania para que todo mundo queira comprar.
Melhor ainda se a dica de consumo vier disfarçada como matéria de "comportamento": um bom disfarce para um óbvio anúncio comercial.
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