Propaganda do governo não elege candidato
Matéria de Carlos H. Knapp, veiculada em 25/07/2006.
A Justiça Eleitoral impede, nos meses que antecedem as eleições, que o governo federal divulgue, por meio de campanhas de publicidade, suas iniciativas e os resultados positivos de sua gestão. Acredita-se que tais campanhas, se realizadas, poderiam favorecer a candidatura Lula. Antes da intervenção da Justiça Eleitoral, os adversários do presidente e a mídia já denunciavam esse uso indevido da "máquina do governo".
Até que ponto anúncios elogiando o governo podem ter influência numa eleição? Até que ponto a propaganda oficial consegue condicionar o comportamento cívico do cidadão? Em 2002, no mesmo período que antecedia as eleições presidenciais, o governo federal mandou publicar na mídia nacional uma intensa campanha para celebrar os "Oito Anos do Real". Os anúncios da campanha contavam os feitos dos dois governos de Fernando Henrique nas suas várias áreas de atuação – infra-estrutura, educação, saúde, saneamento etc. – e demonstravam como o país tinha avançado no "rumo certo" desde que a introdução do real tinha neutralizado a inflação.
Todos os anúncios na TV, nas revistas, nos jornais, eram assinados pelo governo federal e estavam identificados por um oito estilizado, simbolizando os oito anos de real. Você não se lembra? Ninguém se lembra. Eu mesmo só me lembro porque sou do ramo e na época tive relação com o assunto.
Na campanha eleitoral que se seguiu, os candidatos da oposição insistiram em afirmar que "esse governo não fez nada". Nos debates de televisão, Lula, Garotinho e Ciro Gomes submeteram José Serra, o candidato do governo, a interpelações calcadas na mesma tecla – "esse governo não fez nada". Ora, a afirmação aparentemente não tinha razão de ser porque, três ou quatro meses antes, muitos milhões tinham sido gastos em publicidade para revelar que o governo tinha, sim, feito muita coisa. Ou será que ninguém tinha notado as páginas duplas em Veja, os comerciais na Rede Globo, as páginas inteiras de jornais?
O próprio Serra, acuado nos debates, parecia também não ter visto a publicidade, porque em lugar de contestar enfaticamente a acusação, repetindo informações dos anúncios, se refugiava em evasivas.
Expectativa frustrada
A dispendiosa campanha "Oito Anos de Real", publicada às portas das eleições de 2002, não exerceu qualquer influência sobre os candidatos e sobre os eleitores. Foi inócua, esforço e dinheiro público desperdiçados. Do mesmo modo, se não tivesse sido vetada pela Justiça Eleitoral, a publicidade do atual governo federal teria pouco ou nenhum efeito perceptível sobre as eleições de 2006.
A explicação é simples: para se comunicar com o cidadão, o governo sempre insiste em usar a forma de comunicação errada. E a comunicação não se dá.
Ao empregar anúncios criados pelas agências e veiculados em espaços pagos, o governo adota a forma e o estilo sedutor da publicidade comercial para tentar vender informação ao consumidor. Mas este não encontra nessa publicidade "o que comprar"; ele a ignora porque as mensagens que falam de feitos oficiais como se fossem produtos não prometem satisfazer desejo de consumo algum.
O formato, a linguagem e o ambiente do anúncio comunicam uma expectativa que é frustrada por um conteúdo equivocado. As informações que o governo tem a dar não interessam ao consumidor e sim ao cidadão – e para se comunicar com este interlocutor a linguagem, a forma e o espaço são necessariamente outros.
Vício recorrente
Em nenhum país democrático o poder público emprega os artifícios da propaganda comercial para dar conta de seus atos (em certos países a propaganda oficial é proibida por lei). Nesses lugares a sociedade inteira fica informada das ações do governo porque este se comunica com o cidadão pelo meio adequado, a imprensa. Lá, em vez de anúncios autolaudatórios, o cidadão lê e ouve notas, notícias, editoriais, comentários, debates, reportagens, enfim, matérias publicadas espontaneamente pela mídia que se originam em entrevistas, informações, dados ou declarações oferecidas pelo governo.
Prestar contas ao cidadão, comunicar à sociedade o que faz um governo empossado por essa sociedade, é um dever que pode ser cumprido por intermédio do jornalismo. Para tanto, as autoridades e os responsáveis pelas políticas públicas devem dar a informação aos jornalistas para que estes possam transformá-la em notícia e transmiti-la livremente à sociedade, atribuindo a essa notícia a importância relativa que possui.
Por que no Brasil existe a cultura, ou melhor, o vício da propaganda de governo? Esta é uma outra história que fica para uma outra vez.
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Um comentário:
É aquela velha e conhecida história de achar que o jornalismo é moralmente mais elevado do que a propaganda & publicidade enquanto instrumentos de comunicação. Ou que p&p sejam instrumentos ilegítimos. Fica aquela vontade dizer ao autor que, de fato, certa p&p que temos visto por aí é de lascar. Mas perguntar, da mesma forma, QUAL JORNALISMO ele advoga para a defesa do interesse público. O do Estado de Minas, o da Veja, o da Istoé...???
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