terça-feira, março 20, 2007

Belo Horizonte usa E-Gov para plebiscitos

Texto de Eduardo Kattah, publicado no jornal O Estado de S. Paulo, dia 19/03.

O prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel (PT), está recorrendo
à internet para pôr em prática um conceito próprio de democracia
direta. Enquanto se discute a facilitação ou não dos dispositivos que
prevêem a realização de plebiscitos e referendos no País, Pimentel,
em seu segundo mandato, inovou e tem utilizado a rede mundial de
computadores para chamar a população a se pronunciar sobre temas
específicos.

A primeira experiência ocorreu no fim do ano passado. O chamado
Orçamento Participativo Digital contabilizou pouco mais de 500 mil
votos de eleitores na capital mineira. A votação definiu a aplicação
de R$ 20,3 milhões em obras na cidade, entre 2007 e 2008.

O resultado entusiasmou Pimentel. Em janeiro, o prefeito vetou um
projeto aprovado pela Câmara Municipal proibindo a abertura do
comércio aos domingos e feriados e decidiu lançar uma consulta
digital sobre o tema. A idéia era mediar a disputa entre
comerciantes, favoráveis à abertura, e comerciários, contrários. Até
o dia 5 de abril, eleitores poderão utilizar a página da prefeitura
na rede mundial de computadores para opinar sobre o assunto.

Uma nova consulta já está engatilhada: a adoção ou não de um rodízio
de veículos na cidade. "A idéia da democracia direta, que é o que a
gente pratica quando faz esse tipo de consulta, não deve ser
excludente da democracia representativa" , observa Pimentel, se
adiantando às eventuais críticas por supostamente retirar poder do
Legislativo. "É um instrumento adicional, importante, imprescindível,
eu diria, que fortalece a democracia representativa. "

O endereço eletrônico da prefeitura avisa que o resultado da consulta
pública irá contribuir para a elaboração do projeto de lei sobre o
funcionamento do comércio, que será enviado à Câmara Municipal. A
justificativa foi a necessidade de uma discussão mais profunda sobre
o assunto, que envolvesse além de empregados e empregadores do setor
comercial, também os consumidores.

Mas, ao contrário do orçamento participativo, o tema atual despertou
pouco interesse. Até a última sexta-feira, haviam sido contabilizados
somente 10.291 votos, com ampla vantagem para os interesses dos
comerciários. A opção "funcionar nos domingos que antecedem datas
festivas/comemorati vas (dia das mães, dos namorados, dos pais, das
crianças e Natal)" tinha 51,4% das preferências ou 5.293 votos. É
justamente assim que o comércio funciona hoje.

Outra alternativa, a de "funcionar somente de segunda a sábado",
contabilizava 32,7%, num um total de 3.363 votos. Por fim, a
opção "funcionar todos os domingos e feriados, sem limites de
horários" tinha apenas 797 votos, equivalentes a 7,74% do total. Mas
a consulta continua até os primeiros dias do próximo mês.

O cientista político Fábio Wanderley Reis, professor emérito da
faculdade de Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), alerta que o resultado, apesar do universo bem pequeno ouvido
na consulta, pode contaminar o trâmite de um assunto no Legislativo
municipal. "Você cria uma santificação de algo que é visto como
correspondente à vontade popular", avalia, em tom crítico.

Para Cláudia Volpini, da Associação Comercial de Minas (AC Minas), a
consulta carece de base científica para que o resultado
seja "compatível com a realidade". Para ela, trata-se de "resultado
inexpressivo em termos populacionais" , que não serve de base para o
prefeito tomar uma decisão.

SEM COMPUTADOR

Não é preciso procurar muito para encontrar exemplo de distorção que
a consulta pela internet pode gerar. No caso da discussão sobre o
funcionamento do comércio, o sindicato da categoria tem trabalhado
para aumentar a participação de seus filiados.

O diretor do Departamento de Imprensa e Comunicação do Sindicato dos
Comerciários, Milton Mathias Diniz, disse que a entidade mobilizou
como pôde a categoria. "Como a maioria dos trabalhadores não tem
computador, a gente tem buscado o pessoal para votar aqui no
sindicato", explicou.

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